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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

LIÇÕES DE BICHOS E COISAS: Rubem Alves

CRÔNICAS: RUBEM ALVES


LIÇÕES SOBRE BICHOS E COISAS

Tenho inveja das plantas e  dos animais
Parecem-me tão tranquilos, possuidores  de uma sabedoria que nós não temos.
Como se desfrutassem da felicidade  do Paraíso.
Sofrem, pois não existe vida  sem sofrimento.
Mas sofrem sempre como se  deve, quando o sofrimento vem, na hora  certa, e não por antecipação.
Saber sofrer é uma lição  difícil de aprender.
Se o terrível nos golpeia  e não sofremos, algo está errado.
Pois como não chorar, se  o destino nos faz sangrar?

Se não choramos é porque  o coração está doente, perdeu a capacidade de sentir. Mas sofrer fora de hora é  doença também, permitir-se ser cortado por golpes que ainda  não aconteceram e que só existem como fantasmas da imaginação.

Os animais sabem sofrer. Nós  não.

Somos prisioneiros da ansiedade. Pois ansiedade é isto: sofrer fora de hora, por  um golpe que,
por enquanto, só existe no  futuro que imaginamos.

Talvez os animais sejam sadios  de alma e nós, doentes.
Jesus, sofrendo com a nossa  dor pelos sofrimentos que a ansiedade coloca no futuro, nos aconselhou a aprender da sabedoria das aves dos céus  e dos lírios dos campos, reconciliados com a vida, vivendo as dores e felicidades do presente, e livres dos fantasmas da imaginação ansiosa.
Sofremos pelo futuro e, por  isso, não podemos colher as modestas mas reais alegrias  que o presente nos oferece.

Acho que todo mundo sabe,  intuitivamente, que existe uma loucura na maneira de ser  dos homens.
E é por isso que a  nostalgia por um sítio ou por uma  casa na praia aparece como um dos  nossos sonhos mais persistentes.
Para longe do falatório dos  homens, quando todos falam e ninguém  escuta.

De volta para a natureza,  onde nada se diz e, no silêncio, se ouve uma sabedoria esquecida.
Pois só pregam sermões aqueles  que se julgam portadores de uma sabedoria  que os outros não têm.  Prega-se para convencer os outros  a reconhecerem os seus erros.
E para que, pela palavra  ouvida, eles se tornem melhores. Dizem que São Francisco pregava  sermões aos animais. Não acredito.  Mas, de que erro convenceremos  as plantas e os animais?
Pois são perfeitos em tudo  que fazem.
Todos eles se movem harmônicos  ao som da melodia que toca dentro  dos seus corpos.
Acredito que o santo conversava  com os animais, escutava o seu silêncio,  e, se ele falava alguma coisa, era  como o aluno que repete em voz alta  aquilo que aprendeu dos seus mestres.
Não era o santo que pregava  aos animais; eram os animais que lhe ensinavam a sua sabedoria.

Me dirão que plantas e animais  não falam.Engano.
É verdade que estão mergulhados no silêncio.
Mas é neste silêncio que  interrompe o vozerio dos homens que uma  voz é ouvida, vinda das profundezas do  nosso ser.
Pois é aí que mora a  sabedoria que perdemos.
Você tem dificuldade em ouvir  a voz das plantas e dos animais?
Pois que leia os poetas,  profetas do seu saber sem palavras.

A "Sugestão" de felicidade  de Cecília Meireles.
"Ao camelo que mastiga sua  longa solidão,
o pássaro que procura o  fim do mundo,
O boi que vai com inocência  para a morte."

E conclui: “Sede assim qualquer  coisa serena, isenta, fiel. Não como  os demais homens”.
Ela diz que deveríamos ser  como a flor que se cumpre sem pergunta,  a cigarra, queimando-se em música, com o que concorda Alberto  Caeiro, discípulo dos mesmos mestres:
Sejamos simples e calmos,Como os regatos e as árvores,E Deus amar-nos-á fazendo de  nos

Belos como as árvores e  os regatos,E dar-nos-á verdor na sua  primavera,E um rio aonde ir ter  quando acabemos!...

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