"Os místicos e os
apaixonados concordam em que o amor não tem razões". Angelus Silésius, místico
medieval, disse que ele é como a rosa : "A rosa não
tem"porquês". Ela floresce porque floresce." Drummond repetiu a
mesma coisa no seu poema As Sem-Razões do Amor. É possível que ele tenha se
inspirado nestes versos mesmo sem nunca os ter lido, pois as coisas do amor
circulam com o vento.
"Eu te amo porque te
amo..." - sem razões... "Não precisas ser amante, e nem sempre sabes
sê-lo." Meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se
fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações.
Se um dia teus gestos de amante me faltassem,
ele morreria como a flor arrancada da terra. "Amor é estado de graça e com
amor não se paga." Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que
"amor com amor se paga". O amor não é regido pela lógica das trocas
comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa que floresce porque
floresce, eu te amo porque te amo.
"Amor é dado de graça, é
semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários... Amor não
se troca... Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo..." Drummond tinha de estar apaixonado ao escrever estes versos. Só os apaixonados
acreditam que o amor seja assim, tão sem razões. Mas eu, talvez por não estar
apaixonado (o que é uma pena...), suspeito que o coração tenha regulamentos e
dicionários, e Pascal me apoiaria, pois foi ele quem disse que "o coração
tem razões que a própria razão desconhece". Não é que faltem razões ao coração, mas que
suas razões estão escritas numa língua que desconhecemos. Destas razões escritas em língua
estranha o próprio Drummond tinha conhecimento, e se perguntava: "Como
decifrar pictogramas de há 10 mil anos se nem sei decifrar minha escrita
interior? A verdade essencial é o desconhecido que me habita e a cada amanhecer
me dá um soco." O amor será isto: um soco que o desconhecido me dá?
Ao apaixonado a decifração desta
língua está proibida, pois se ele a entender, o amor se irá. Como na história
de Barba Azul: se a porta proibida for aberta, a felicidade estará perdida. Foi
assim que o paraíso se perdeu: quando o amor - frágil bolha de sabão - não
contente com sua felicidade inconsciente, se deixou morder pelo desejo de
saber. O amor não sabia que sua felicidade só pode existir na ignorância das
suas razões. Kierkegaard comentava o absurdo de se pedir aos amantes
explicações para o seu amor. A esta pergunta eles só possuem uma resposta: o
silêncio. Mas que se lhes peça simplesmente falar sobre o seu amor - sem
explicar. E eles falarão por dias, sem parar... Mas - eu já disse - não estou
apaixonado. Olho para o amor com olhos de suspeita, curiosos. Quero decifrar
sua língua desconhecida. Procuro, ao contrário do Drummond, as cem razões do
amor...
Vou a Santo Agostinho, em busca
de sua sabedoria. Releio as Confissões, texto de um velho que meditava sobre o
amor sem estar apaixonado. Possivelmente aí se encontre a análise mais
penetrante das razões do amor jamais escrita. E me defronto com a pergunta que
nenhum apaixonado poderia jamais fazer: "Que é que eu amo quando amo o meu
Deus?" Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada:
"Que é que eu amo quando te amo?" Seria, talvez, o fim de uma estória
de amor. Pois esta pergunta revela um segredo que nenhum amante pode suportar:
que ao amar a amada o amante está amando uma outra coisa que não é ela. Nas palavras de Hermann Hesse,
"o que amamos é sempre um símbolo". Daí, conclui ele, a
impossibilidade de fixar o seu amor em qualquer coisa sobre a terra..."
Contribuição:http://ew-willianlira.blogspot.com.br
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