CRÔNICAS: Rubem Alves
A AMIZADE
Lembrei-me dele e senti saudades...
Tanto tempo que a gente não se vê!
Dei-me conta, com uma intensidade
incomum, da coisa rara que é a amizade.
E, no entanto, é a coisa mais alegre que a
vida nos dá.
A beleza da poesia, da música, da natureza,
as delícias da boa
comida e da bebida perdem o gosto
e ficam meio tristes quando não temos um
amigo com quem
compartilhá-las.
Acho mesmo que tudo o que fazemos na vida
pode se resumir nisto:
a busca de um amigo, uma luta contra a solidão...
Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando
era jovem, e do qual nunca me esqueci. Romain Rolland descreve a primeira experiência com
a amizade do seu herói adolescente.
Já conhecera muitas pessoas nos curtos
anos de sua vida.
Mas o que experimentava naquele momento era diferente de tudo o
que já sentira antes.
O encontro acontecera de repente, mas era como se já tivessem sido amigos a vida inteira.
A experiência da
amizade parece ter suas raízes fora do tempo, na eternidade.
Um amigo é alguém com
quem estivemos desde sempre.
Pela primeira vez, estando com alguém, não sentia necessidade de falar.
Bastava a alegria de estarem juntos,
um ao lado do outro.
Seu coração cantava ‘Tenho um amigo, tenho um amigo!’ Nada via.
Nada ouvia.
Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e adormeceu
apenas deitou-se.
Mas durante a noite foi acordado duas ou três vezes, como que
por uma ideia fixa.
Repetia para si mesmo: ‘Tenho um amigo’, e tornava a
adormecer.”
Jean-Christophe compreendera a essência da amizade.
Amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é
preciso falar.
Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem.
Se o
silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade,
se quando o assunto foge você se
põe a procurar palavras para encher o vazio e
manter a conversa animada, então a
pessoa com quem você está não é amiga.
Porque um amigo é alguém cuja presença
procuramos
não por causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo,
comer, jogar ou tramar.
Até que tudo isso pode acontecer. Mas a diferença está em
que, quando a pessoa não é amiga,
terminado o alegre e animado programa, vêm o
silêncio e o vazio -
que são insuportáveis.
Nesse momento, o outro se transforma
num incômodo que entulha o espaço e
cuja despedida se espera com ansiedade.
Com o amigo é diferente. Não é preciso falar.
Basta a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro.
Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria
independentemente do que se
faça ou diga.
A amizade anda por caminhos que não passam pelos programas.
Uma estória oriental conta de uma árvore solitária
que se via no alto da montanha.
Não tinha sido sempre assim.
Em tempos passados, a montanha estivera coberta de árvores
maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam.
Mas aquela árvore era
torta, não podia ser transformada em tábuas.
Inútil para os seus propósitos,
os lenhadores a deixaram lá.
Depois vieram os caçadores de essências em
busca de madeiras perfumadas.
Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum,
foi desprezada e lá ficou.
Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na
montanha.
Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam.
Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade.
Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso
que o torna um amigo.
Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa
solidão uma experiência de comunhão.
Diante do amigo sabemos que não
estamos sós.
E alegria maior não pode existir.
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