O poeta de vários desdobramentos
"Quando falamos deste genioso artista, é necessário fazermos
uma distinção entre todos os poemas que assinou com o seu verdadeiro nome -
poesia ortônima e todos os outros, atribuídos a diferentes heterônimos, dentre
os quais destacam-se Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis."
A questão da heteronímia resulta de características pessoais
referentes à personalidade de Fernando Pessoa: o desdobramento do “eu”, a
multiplicação de identidades e a sinceridade do fingimento, uma condição que patenteou
sua criação literária e que deu origem ao poema que segue:
Autopsicografia
"O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração."
Quanto aos seus heterônimos... vejamos:
Alberto Caeiro
Poesia aparentemente simples, mas que esconde certa complexidade filosófica. Aborda a questão da
percepção do mundo e da tendência do homem em transformar aquilo que vê em
símbolos, sendo incapaz de compreender o seu verdadeiro significado.
A Criança
"A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em um ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer."
Ricardo Reis
O médico Ricardo Reis é o heterônimo “clássico” de Fernando
Pessoa, pois observa-se em toda sua obra a influência dos clássicos gregos e
latinos baseada na ideologia do “Carpe Diem”, diante da brevidade da vida e da
necessidade de aproveitar o momento.
Anjos ou Deuses
"Anjos ou deuses, sempre nós tivemos,
A visão perturbada de que acima
De nos e compelindo-nos
Agem outras presenças.
Como acima dos gados que há nos campos
O nosso esforço, que eles não compreendem,
Os coage e obriga
E eles não nos percebem,
Nossa vontade e o nosso pensamento
São as mãos pelas quais outros nos guiam
Para onde eles querem E nós não desejamos."
Álvaro de Campos
Heterônimo futurista de Fernando Pessoa, também é conhecido
pela expressão de uma angústia intensa, que sucedeu seu entusiasmo com as
conquistas da modernidade.
Na fase amargurada, o poeta escreveu longos poemas em que
revela grande desencanto existencial.
Tabacaria
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe
quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por
gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos
homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de
nada. (...)."
Pessoa, Fernando. Lírica e dramática, In: Obras de Fernando Pessoa
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